Eis que tudo se fez novo
Nos últimos 5 anos, periodicamente tenho falado e escrito aqui no blog sobre as mudanças significativas que o mercado fonográfico iria vivenciar com o crescimento do mercado digital. O que parecia muitas das vezes como um exercício de futurologia hoje é tratado por todos de forma extremamente natural, cotidiana e simples. A própria relação entre o público e a música, incluindo aí o seu consumo hoje é completamente diferente de anos atrás. E por mais que alguns artistas, profissionais de gravadoras, pastores e outras pessoas envolvidas no meio artístico gospel insistam em permanecer na idade da pedra, a grande verdade é que as mudanças chegaram, irão alterar radicalmente questões até então consideradas pétreas e trarão novas dinâmicas que tendem a popularizar cada vez mais o consumo de música.
O ano de 2014 talvez seja considerado, especialmente no Brasil, como o período-chave da mudança do mercado físico para o digital. Números ainda não oficiais no país sinalizam que 55% do faturamento das gravadoras seculares foi proveniente do mercado digital contra 45% das vendas físicas, tradicionais. Como sempre, infelizmente não temos números oficiais do mercado gospel tupiniquim porque nem mesmo uma associação de classe as empresas do setor conseguiram formar ao longo dos anos. A política do “cada um na sua” parece ser regra de conduta no meio, não somente entre as gravadoras mas em diferentes segmentos e aí, inclui-se até mesmo as igrejas e denominações, pasmem! Mas arrisco a dizer que as vendas físicas caíram cerca de 30 a 40% no mercado gospel em 2014. Como boa parte das empresas do segmento ainda trabalha de forma tímida no mercado digital, esta queda de vendas físicas acentuada afeta pesadamente os resultados deste último ano trazendo consequências desastrosas para boa parte das gravadoras do meio. Ou seja, vivemos um período de muita instabilidade no mercado fonográfico gospel, acentuado ainda mais pelas condições ruins da economia nacional.
Em todos os países onde houve a queda nas vendas físicas e o crescimento do mercado digital, a tendência se mantém firme sem qualquer sinal de retração. Desta forma, tenho que informar que quem viveu o auge do mercado de discos físicos com números astronômicos de vendas, se dê por satisfeito porque daqui em diante tudo indica que estaremos vivendo um novo tempo, o tempo das vendas digitais. E afirmo isso sem qualquer sentimento de perda, tristeza ou algo do tipo. O mercado digital se apresenta como uma excelente oportunidade e com rentabilidade acima do modelo tradicional. Apenas para efeito de comparação até pouco tempo atrás o mercado gospel trabalhava com cerca de 3 mil pontos de distribuição no Brasil entre livrarias, igrejas, colportores. Atualmente trabalhamos com mais de 250 milhões de aparelhos de celulares com acesso à internet, ou seja, 250 milhões de potenciais clientes de conteúdo musical. A mudança é absurda!
O que eu gostaria de tratar com os 33 leitores (sim, estimo que com a escassez de textos inéditos perdemos metade da audiência cativa entre nossos leitores!!!!) a partir de agora é justamente algo que venho pensando bastante nos últimos dias e que afeta diretamente meu dia a dia profissional, já que como diretor artístico de gravadora uma de minhas principais funções é justamente montar um cast artístico de qualidade e bom retorno em vendas. Neste momento é fundamental que um profissional desta área tenha a visão de que com a popularização da web, da mudança de relação entre consumidor x música e, principalmente pela expansão das plataformas digitais, a montagem do cast passa a ser bem diferente do que acontecia até então. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento do mercado fonográfico gospel tupiniquim sabe a força da música pentecostal em termos de vendas. E sinceramente creio que este estilo musical permanecerá forte e importante no nosso meio, só que de uma forma bem diferente. Creio também que este estilo musical manterá por um tempo além do usual no mercado em geral as vendas no formato físico. Só que arrisco a dizer que a supremacia da música pentecostal como mais popular estilo no segmento será diluída nos próximos anos trazendo uma maior democratização de nomes e sons. Em alto e bom som, afirmo que artistas que já foram “arrasa-quarteirões” em vendas no passado podem talvez não manter a mesma performance com a mudança do mercado fonográfico.
Já podemos perceber o surgimento de alguns nomes que até então permaneciam restritos a determinados nichos. Inclusive muitos destes artistas jovens já podem se orgulhar de figurarem no topo de vendas do iTunes, algo bem raro em nosso meio, mas que já conta com nomes como Paulo César Baruk, Os Arrais, Mariana Valadão e Leonardo Gonçalves. O ambiente digital com inúmeras plataformas como Deezer, Spotify, Google Play, YouTube, iTunes, Vevo, operadoras de telefonia móvel, entre outras, permite com que fenômenos virais surjam do dia para a noite.
Entre tantas mudanças, talvez esta seja uma das mais impactantes, ou seja, nos próximos anos teremos novos nomes de artistas surgindo no segmento e, infelizmente veremos o ocaso de alguns artistas que até então navegavam em águas tranquilas repetindo fórmulas e estratégias. Só que estamos diante de um novo mercado, um novo perfil do público consumidor com demandas muito peculiares, novas ferramentas e estratégias, novos canais de distribuição, enfim, um cenário completamente diferente de tudo até então. Com isto, posso afirmar categoricamente que teremos um momento bastante interessante para os próximos anos e como profissional da área devo manter-me extremamente atento a tudo que surgir no mercado, principalmente nomes e estilos musicais. Quem imaginaria que a música eletrônica, muito bem representada no gospel brasileiro pelo DJ PV, se tornaria um fenômeno de popularidade? Estes artistas-que-aparecem-de-uma-hora-pra-outra serão cada vez mais comuns daqui em diante, portanto devemos estar abertos às novidades, alheios a dogmas imutáveis e muito sensíveis aos movimentos e tendências.
Ontem mesmo tive o prazer de conversar por longas horas com uma artista decana do meio gospel, uma profissional com longos e longos anos de estrada. Esta cantora viajava pelo país para atender aos convites a bordo de ônibus, carregando caixas e mais caixas pesadas de LPs, que muitas das vezes empinavam devido ao calor – e hoje me deparo com artistas que começaram ontem reclamando de horas de vôo entre uma agenda e outra! Esta artista me comentava das mudanças que promoveu em seu escritório, na mudança de postura quanto aos convites, na sua interatividade junto ao público através das redes sociais e, por fim, me falou da necessidade de em seu repertório incluir músicas em um estilo mais atual, mais moderno. Confesso que me surpreendi pela inteligência e capacidade de observação daquela artista que poderia simplesmente seguir numa rotina e mantendo atitudes que a fizeram ser uma grande artista no segmento nas últimas décadas.
Se você é um artista ou um postulante a esta área, procure atualizar-se sobre novas ferramentas, estratégias de marketing digital e tendências. Esqueça fórmulas antigas, estratégias tradicionais como investimentos de mídia em rádios (falarei sobre este assunto em outro post!) e outras ações que certamente terão resultado abaixo do esperado. Invista em clipes como principal ferramenta de divulgação e mesmo de remuneração, afinal canais como YouTube/Vevo são comprovadamente os parceiros de melhor monetização entre tantas plataformas digitais. O momento é de profunda transição e em épocas como esta observamos que apenas os mais preparados sobrevivem seguindo a teoria da seleção natural darwinista. Então, atualize-se! Prepare-se para o novo momento que estamos vivendo e saiba aproveitar as chances que estão surgindo pela frente! Em suma, apertem os cintos porque estamos diante de uma viagem bastante interessante! Preparem-se!
Mauricio Soares, publicitário, jornalista. Escrevo este texto assistindo à final do SuperBowl, ou seja, não é só o mercado fonográfico que vem se transformando nos últimos tempos, mas também (e principalmente) a área de entretenimento. Onde se imaginou que brasileiros iriam curtir e até mesmo jogar futebol americano?